Johann Morittz Rugendas. Enterro de um negro na Bahia, c. 1830. |
As atitudes dos soteropolitanos com relação à morte levam, até meados
dos Oitocentos, a uma familiaridade entre vivos e mortos, expressa nos
sepultamentos no interior ou em torno das igrejas. Os frequentadores dos
templos católicos pisavam, caminhavam,
sentavam e oravam sobre as sepulturas, o que acabava por resultar um convívio
cotidiano entre os fiéis e seus mortos. Neste século, Salvador viveu momentos
de tensão diante de determinações legais para que os sepultamentos passassem a
ocorrer em cemitérios. Forte reação popular ocorrida em 1836, conhecida como
Cemiterada, acabou por adiar essa transferência, que só foi totalmente
concretizada na década de 1850, com o advento da epidemia do cholera morbus.
Mas,
o que ocorreu, em especial no século XIX, que venha a justificar um estudo das
atitudes dos baianos de Salvador perante a morte? O que sinaliza, na nossa
história, para a origem da postura distanciada que hoje cultivamos diante da
morte? Como passamos da relação de
intimidade com os mortos para o estágio que Nobert Elias denominou de “solidão
dos moribundos”, ao referir-se à incapacidade dos vivos em demonstrar afeto por
seus mortos? [1]
Sabemos que as atitudes
mentais e os comportamentos coletivos, bem como as visões do mundo que os
determinam, não se transformam bruscamente e nem de modo definitivo. Quase
sempre se trata de um processo gradual, embora este ritmo possa ser afetado por
alterações repentinas das estruturas materiais.
É certo que a relação de proximidade
entre mortos e vivos, as pompas e os rituais fúnebres predominaram na cidade em
períodos anteriores aos Oitocentos. A
estas práticas Michel Vovelle[2] (1991, p. 353) chamou
de “morte barroca”, como expressão do cerimonial fúnebre composto por “morte preparada, temida, exercício de toda uma vida, dando lugar a um
cerimonial público e ostentatório, seguido de todo um conjunto de ritos e
prestações destinadas, pelas obras, pelas missas e orações, a assegurar a
salvação ou a redenção a termo dos pecados do defunto”. Portanto, faz-se obrigatório, ao empreender este estudo, debruçar-me
sobre a história do período colonial da cidade do Salvador.
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