segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Códigos que regulavam a feitura dos testamentos- legislações da morte.

     No Brasil Colonial, dois códigos regulavam a feitura dos testamentos. Uma de caráter civil, as Ordenações Filipinas, e outra de cunho religioso, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. A inobservância dessas determinações invalidava o documento.

Ordenações Filipinas Compilação jurídica que resultou da reforma do código manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio castelhano. Embora muito alteradas, constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que muitas disposições tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.
Dos seus cinco livros podemos destacar:
     Título LXXX
         Dos testamentos e em que forma se farão
         Das testemunhas

   Título LXXXI

            Das pessoas a que não é permitido fazer testamento


Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia - Visando manter firme controle sobre seus fiéis, a Igreja Católica, seguindo determinações do Concílio de Trento (1545-63), realizou várias reuniões que estabeleciam regras locais para cada diocese. Aqui no Brasil foram criadas as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), ditando normas e procedimentos para uma vida devota e regrada. Os rituais de morte durante o período colonial observavam tais determinações, pois, além de normas associadas ao comportamento, à boa vida do cristão, traçavam criteriosamente as formas da boa morteAtravés das Constituições Primeiras podem ser percebidos alguns elementos do cotidiano dos ritos fúnebres no Brasil colonial.
         Na derradeira hora do fiel, caso sua conduta em vida não houvesse seguido as regras do bem viver[1], era possível, ainda, garantir a salvação da alma pela observância de algumas condutas que preparavam o bem morrer. Se não houve o esforço em viver virtuosamente, esperava-se que a boa morte resgatasse, ao menos parcialmente, os erros praticados em vida. Toda a regulamentação deste momento final constava do primeiro livro das Constituições, dedicado aos sacramentos a serem ministrados aos cristãos.  Algumas etapas deveriam ser seguidas nesta preparação: administração de sacramentos como a confissão, o viático[2], a extrema-unção e a redação do testamento através do qual se contornava o perigo da morte inesperada, sendo importante recurso na condução e planejamento da boa morte.

Além desses códigos, circulavam por toda a colônia as artes de bem morrer, nos moldes dos manuais de boa conduta e civilidade. Estes textos serviram para difundir condutas pautadas na perfeição cristã, que muito devem ter contribuído para inculcar os bons costumes ou despertar esta apreensão quanto aos destinos da alma.  
           Em estudo sobre a morte em Lisboa, Ana Cristina Araújo informa que os manuais de boa morte eram colocados a baixos preços no mercado, escritos quase sempre em língua vulgar, impressos em pequeno formato e de aparato gráfico simples, superando largamente, em quantidade, as versões portuguesas conhecidas de instruções ou tratados práticos de civilidade. Seu conteúdo, por sua vez, não difere substancialmente de outros guias práticos de comportamento, como bem destacou a autora do manual O Devoto Instruído na Vida e na Morte, de Manuel Maria Santíssima: “Se queres morrer bem, continua em bem viver; porque a boa vida é a melhor disposição para a boa morte”.[3]  Podemos citar o Breve Aparelho e Modo Fácil para Ajudar a Morrer um Cristão[4], publicado em 1627. Dele temos um exemplar na Biblioteca Nacional, sendo possível consultá-lo no site da Biblioteca Nacional de Portugal através do link http://purl.pt/17290/3/#/8




[1] Sacramentos que indicavam o bem viver: Batismo, Confissão, Eucaristia, Casamento e Penitência.
[2] Sacramento da eucaristia administrado a um doente em perigo de vida (do lat. Viaticum: provisão de dinheiro ou de mantimentos que se dá a alguém para fazer uma viagem).
[3] ARAÚJO, Ana Cristina. A esfera pública da vida privada: a família nas artes de bem morrer. Revista Portuguesa de História, t.XXXI, Vol. 2 (1996). p. 343.
[4] CASTRO, Estêvão de, S.J. Breve aparelho, e modo facil pera ajudar a bem morrer hum christão, com a recopilação da materia de testamentos & penitencia, varias oraçoes devotas, tiradas da Escritura Sagrada, & do Ritual Romano de N. S. P. Paulo V. / Composto pello Padre Estevão de Castro... - Acrecentado nesta seguda impressaõ pello mesmo autor. - Em Lisboa : por Mattheus Pinheiro : a custa de Adrião de Abreu, 1627. - [16], 241, [i.é 221], [3] f. ; 8º

5 comentários:

  1. Muito bom o texto e muito bom o seu blog!! SUCESSO!!!

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    1. Obrigada, Raiane. Volte por aqui para trocarmos informações sobre o tema. Você também pesquisa história da morte? Abraços.

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  2. falar da morte é muito interessante e misterioso para nós.relevante para mim, foi na colônia em que se fala de dois códigos, as ordenações filipinas,e principalmente as constituições do arcebispado em 1707, em que a igreja dita normas e procedimentos para se obter uma boa morte.
    paulo roberto

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  3. muito interessante falar da morte, porque gera curiosidades ao ser humano, mais provocante é conhecer o passado e suas formas de morte e comportamentos. para mim o que ficou forte foi os dois códigos, as ordenações filipinas com os direitos civis, e principalmente a constituição do arcebispado em 1707, que dita normas e procedimentos para se obter uma boa morte. paulo roberto

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    1. Olá, Paulo. Que bom encontrar você aqui. Pois é, tivemos tempo em que a morte era oficialmente regulada. Mas as Constituições só fazem sentido se concebermos o mundo colonial como cristão. As regras de conduta e a observância aos sacramentos garantiam uma parcela da caminhada rumo ao céu. A este respeito, o texto das Constituições é bem detalhado. Entretanto, é preciso pensar nos comportamentos desviantes dessa norma. Como para um testamento ser validado era necessário declarar-se cristão, muitos o faziam, mas muitos não o eram. Há espaços silenciosos no texto testamentário que, associados a outros indícios como a cor da mortalha, o local do enterramento ou até mesmo a ausência total de informação sobre o ritual fúnebre, confiando-o inteiramente ao testamenteiro, levam a crer que alguns soteropolitanos dos tempos coloniais desviaram-se em relação ao padrão católico quanto aos seus enterramentos. Espero que volte aqui para continuarmos a trocar informações e impressões. Abraços.

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